sábado, 28 de julho de 2012

Poema inédito de José Régio - Canção de Portalegre


(fotografia da minha autoria - Sé e Castelo ao pôr-do-sol)

"De Portalegre cantando,
Meu canto é doce e é amargo:
Já sinto os olhos turvando,
Já sinto o peito mais largo ...

Ai torres da velha Sé,
Ai muros do burgo estreito!
Sempre vos rezo, com fé.
Se me levanto ou me deito 

Por onde quer que eu andar,
Vá eu lá por onde for,
Comigo te hei-de levar, 
Contigo me hei-de ficar,
Minha terra, - meu amor ... 

O céu das tardes compridas
Parece que vem baixando;
E se as torres são mãos erguidas
Que quase lhe estão chegando!

Ao longe se perde o olhar
Nas névoas dos horizontes ...
E a terra parece o mar,
Parecem ondas os montes.

Por onde quer que eu andar,
Vá eu lá por onde for, 
Comigo te hei-de levar,
Contigo me hei-de ficar,
Minha terra, - meu amor ...

Tem cada ruela estreita
Casas pobres, e opulentas
Meu gosto nenhuma enjeita:
São todas minhas parentas ...

Olhei da Serra a cidade,
Tão branca, estreita e comprida!
Fez-me alegria e saudade,
- Assim de noiva vestida ...

Por onde quer que eu andar,
Vá eu lá por onde for,
Comigo te hei-de levar, 
Contigo me hei-de ficar,
Minha terra, -meu amor ..."

in "Rabeca" - 21 de Novembro de 1952

(Portalegre vista da Serra - fotografia da minha autoria


Espero que gostem da partilha deste poema. O facto de ter sido publicado em jornais e não em livros faz com que não seja muito conhecido e, a meu ver, é demasiado lindo para que isso se possa permitir. As fotografias foram tiradas por mim e servem para ilustrar (ou pelo menos tentar) aquilo que o poeta fala.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Sabedoria

Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.

Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.

José Régio 


(um dos - se não O - meu(s) poema(s) preferido do escritor) 

Fim do mundo

Dizem que o fim do mundo não pode estar longe, quem nos garante que não estamos já a vivê-lo?...

Carta de amor

"Ouve-me!, se é que ainda
Me podes tolerar.
Neste papel rasgado
Das arestas da minh'alma,
Ai! Absurdas intrigas
Que te quisera contar!
Ai os enredos,
Os medos, 
E as lutas em que medito, 
Quer dê, quer não dê por isso,
Sem descansar
Um momento...!
Quem sofre - pensa; e o tormento
Não é sofrer, é pensar.
O pensamento
Faz engolir o vómito de fel...
Ouve! se sou cruel 
Neste papel queimado
Dos incêndios de minh'alma,
É de raiva de que embalde
Te procure dizer sem falsidade
Coisas que, ditas, já não são verdade...
E procuro eu dizê-las,
Ou procuro escondê-las?
E procuro eu dizer-tas,
Ou procuro a vaidade
De mas dizer, a mim, de modo que mas ouçam
Esses mesmos que desprezo,
E cujo louvor me é caro?
Não me acredites!
O que digo, 
Antes ou depois, o peso;
E não!, não é a ti que eu me declaro!
Sei que não me entendes.
Sei que quanto melhor te revelar
O meu mundo profundo, 
O fundo do meu mar, 
Os limos do meu poço,
O antro que é só meu (sendo, apesar de tudo, nosso)

Menos me entenderás,
Tu..., - a minha metade!

Por isso me não és senão vaidade,
Meu amor!, meu pretexto
Deste miserável texto...
Vês como sou?
Mas sou pior do que isto.
Sabe que, se me acuso,
É só por vício antigo
De me lamber as mãos e agatanhar o peito,
De me exibir à Cristo!
Sabe que a meu respeito
Vou além de quanto digo.
Sabe que os males que ora uso, 
Como quem usa
Cabeleira ou dentadura,
São a pintura
Que esconde os mais verdadeiros,
De outro teor...
E sabe que sou pior!:
Sabe (se é que o não sabes)
Que ao teu amor por mim foi que ganhei amor.
Que a ti...,sei lá se te amo!
Sei que me deixam sozinho
Ante o girar dos mundos e dos séculos;
Sei que um deserto é o meu caminho;
Sei que o silêncio
Me há-de sepultar em vida;
Sei que o pavor, a noite, o frio,
Serão jardim da minha ermida;
Sei que tenho dó de mim...
Fica tu sabendo assim,
Querida!,
Porque te chamo.
Mas amar-te?!
Não!, minha vida.
Não! Reduziram-me a isto:
Só a mim me amo.
Ama-me tu, se podes,
Sem procurar compreender-me:
Poderias julgar que me encontravas,
E seria eu perder-te e tu perder-me...
Ao menos tu..., desiste!
A sobre-humana prova que te peço,
A mais heróica!,
A mais inglória e a mais triste, 
É essa..., - é este o meu preço.
Mais que o despeito, o ódio, a incompreensão
Dos pos quem passei sereno, 
Estendendo a mão afável
Ao frio, pérfido, amável
Aperto da sua mão, 
Me punge, 
Me pesa no coração,
O fruste amor dos que me interpretaram. 
Ai!, bem quiseram amar-me!
Bem o tentaram. 
Mas nunca me perdoaram
O não serem dominados
Nem poderem dominar-me...
E assim o nosso amor foi uma luta
De cobardes abraçados.
Entre eu e tu, 
Tão profundo é o contrato
Que não pode haver disputa.
Não é pacto
Dum pobre aperto de mão:
Entre nós, - ou sim ou não.
Despi-me..., vê se me queres!
Despi-me com impudor,
Que é irmão do desespero.
Vê se me queres,
Sabendo que te não quero, 
Nem te mereço, 
Nem mereço amado
Pela pior
Das mulheres...
Poderás amar-me assim,
(Como explicar-me?!)
Por Qualquer Cousa que eu for, 
Mas não por mim!, não a mim...!


Beijo-te os pés, meu amor."

José Régio - As encruzilhadas de Deus, livro segundo

Selo da Amizade

A minha querida Pérola foi simpática (como sempre) e quis dar a todos os amigos "virtuais" um selo representante da amizade entre todos, eu pego nas palavras dela e faço minhas: Levem-no, amigos... Levem, porque o dou de bom grado. Em homenagem dos tempos passados em leituras por (re)cantos alheios:



quarta-feira, 25 de julho de 2012

O poeta doido, o vitral e a santa morta

"Era uma vez um Poeta
Que vivia num Castelo,
Num Castelo abandonado,
Povoado só de medos...

-- Um Castelo com portões que nunca abriam,
E outros que abriam sem ninguém os ir abrir,
E onde os ventos dominavam,
E donde os corvos saíam,
Para almoços
Que faziam
De mendigos que caíam lá nos fossos...

Havia no Castelo, ao fim dum corredor,
(Um corredor grande, grande,
Frio, frio,
Com abóbadas sonoras como poços)
Um vitral.

Era um vitral singular...

E é bem verdade que ninguém sabia
O que ele ali fazia,
Ao fim daquele corredor,
Naquela parede ao fundo,
Aquele vitral baço e quase já sem cor.

Nem o Poeta o sabia...

Nem o Poeta o sabia,
Muito embora noite e dia
Meditasse
No vitral quase sem cor
Que estava pr'ali na sombra
Do fundo do corredor
-- Com ar de quem aguardasse...

Quando, a meio da noite, o Poeta acordava,
Levantava-se, e, até dia, delirava.

Era a hora do Medo...

E passeava, delirando, pelos longos corredores,
Descia as escadarias,
Corria as salas.

Sob os seus pés, as sombras deslizavam.
Pelos recantos, os fantasmas encolhiam-se.
E, devagar, bem devagar, no escuro,
Portões abriam-se, e fechavam-se, e giravam sem rumor.

O Poeta só parava
Diante do tal vitral,
Ao fim do tal corredor...

E sonhava.

Sonhava que, para lá
Daqueles doirados velhos,
Daqueles roxos mordidos,
Que morriam
Sobre o fundo espesso e negro,
Havia...

Mas que haveria?

Qualquer coisa bem ao perto
Que o chamava de tão longe...!

E, mudo, ali ficava até ser dia,
Enquanto os ventos, lá fora,
Fingiam mortos a rir...
Enquanto as sombras passavam...
Enquanto os portões rodavam,
Sem ninguém os ir abrir!

Mas, um dia,
-- Eis, ao menos, o que dizem --
O Poeta endoideceu.

E, fosse Deus que o chamasse
Ou o Diabo que lhe deu,
(Não sei...)

Sei que uma noite, a horas desconformes,
O Doido alevantou-se nu e lívido,
Com os cabelos soltos e revoltos,
A boca imóvel como as das estátuas,
Os olhos fixos, sonâmbulos, enormes...

Pegou do archote,
Desceu, escada a escada, a muda escadaria,
Seguiu pelo corredor.

Em derredor,
As sombras doidas esvoaçavam contra os muros.
Lá muito longe, o vento era um gemido que morria...

Ao fim do tal corredor,
Havia
O tal vitral.

E, de golpe,
Como dum vôo em linha recta,
O Poeta-Doido ergueu-se contra ele,
Direito como uma seta...

A cabeça ficou dentro...
O corpo ficou de fora...
E os verdes, os lilases, os vermelhos da vidraça
Laivaram-se de sangue que manava,
E que fazia,
Nas lájeas do corredor,
Um rio que não secava...

Mas, no instante em que morria,
Abrindo os olhos
-- Olhos de tentação divina e demoníaca --
O Poeta pôde ver.

... E viu:

Viu que, por trás do vitral baço, havia
Um nicho feito no muro.
Dentro, iluminando o escuro,
De pé sobre tesoiros e tesoiros,
Estava
Certo cadáver duma Santa
Que fora embalsamada há muitos séculos...

E a Santa, que o esperava,
Despertou,
E, sorrindo-se e curvando-se, beijou
A cabeça degolada."

José Régio

(Bem sei que o meu objectivo, com estas publicações, é dar a conhecer o escritor em si, não só o poeta, mas tenho que confessar que, embora goste bastante da forma como escreve contos, gosto mais da forma como escreve a poesia. Ainda assim, é um escritor admirável que merece ser lido!)

Escritor José Régio

Não deixa de ser caricata, uma situação que reparei há dias quando na frente da fachada da Casa Museu José Régio, em Portalegre.
Durante a vida, o escritor sempre quis ser reconhecido pelas prosas que escreveu, pois considerava-as ( e com todo o mérito) que eram bastante melhores que as suas poesias, no entanto, sempre o conheceram como poeta e, assim, recusavam-se a ver o grande Homem na sua obra escrita. E muitas vezes, aborrecido, escreveu longas cartas para os amigos a desabafar sobre as críticas sobre as suas obras, pouco simpáticas, que recebia nos jornais e revistas publicados.
E (pobre homem!) não é que depois de já não estar nesta vida, depois de já não ter podido assistir à organização e abertura da sua Casa-Museu, nesta cidade, a bendita ainda tem esta inscrição na fronte:



Ou muito me engano ou há-de o senhor não estar muito descansado, esteja ele onde estiver (e já desde 1071)... Mas que agora se faça jus à sua obra e que seja reconhecido (pelo menos em morte, já que o não foi em vida) pelas fantásticas obras poéticas e prosas que escreveu).

Poema do silêncio

"Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome."

José Régio

segunda-feira, 23 de julho de 2012

"Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão."
Fernando Pessoa

Pensamentos

Se eu tivesse um bloco duro de pedra no lugar do coração, tenho para mim que a vida seria bastante mais fácil...
"Subestimar o adversário é o primeiro passo para a derrota."

Do meu orgulho


"Um dia, ó sonho vão!
Sonhei despir-me todo de vaidade,
E ser, na branca ermida da Humildade,
Um resignado e lírico ermitão!


Desde que abrira os olhos para o largo
E, com olhar de ver, olhara em roda,
Que me ficara adentro da alma toda
Um gosto amargo:


Ó gosto de fazer da pena alheia
A pena própria! e ser de tal maneira,
Que a humanidade inteira
Subisse e tumultuasse em mim como uma cheia!


E humilde, triste, heróico, verdadeiro,
Passei a realizar meu sonho louco:
Nem sei o que sofri! Tudo era pouco
Para sofrer um mundo inteiro.


Vivi de pontapés e bofetadas.
Deitou-me a Fera ao peito a garra adunca.
Fui mudo como as pedras das calçadas
Que todos pisam... mas não falam nunca.


Às vezes, já do coração me vinha,
Em vez de sangue, fel - vinagre e fel.
Mas eu mantinha
Para comigo mesmo o papel...


Minavam-me revoltas desmedidas.
Vinham ao lume de água os velhos lodos...
E eu quisera atirar minh'alma em feridas
À cara de vós todos!


Sorria,
No que era hábito, já, de mascarar.
Mas como vos odiava, eu que sofria
Da raiva de sofrer e calar!


E, como o meu sorriso era magoado,
Quase a pedir perdão
De todo esse ódio verde e espezinhado
Que me roía o coração,


E como eu tinha os olhos e a humildade
Dum réu que ajoelha, e se confessa, e chora,
A turba, olhando-me com toda a autoridade,
Achou que era chegada a hora...


E cada qual
Veio atirar o coice ao velho leão da história.
Ah, que grotescos, em tamanho natural,
Os não conservo, a todos, na memória!


Ora, assim arrastando ante a ralé,
Eu abraçava ao peito o meu tesoiro:
Ó meu orgulho doido! ó minha fé!
Embebedei-me dele como oiro!


Meu espantoso orgulho da humanidade,
E dessa própria lama que beijava!
A minha caridade
Era a moeda viva que o pagava...


Orgulho de ser santo! E o que sofria,
Dava-o por bem sofrido e por bem pago,
Pensando que era grande quem bebia
(Como eu bebia) o derradeiro trago.


Até que pude ver que me enganava:
Desse Anjo que eu, em sonhos, me fizera,
Só um fantoche trágico restava
- Farrapo humano que nem homen era...


E revoltei-me! Então,
Sonhei voltar a ser um outro que matara:
E, remessando a minha luva ao chão,
Pálido e firme, olhei, a ver se algém ma levantara.


Estava muito farto! Era cansaço
O que dava ao meu braço um ar seguro.
Mas ninguém, contra o meu, ergueu o braço,
E a sós me vi a batalhar com o silêncio, a noite, o escuro...


Elevara-me, ainda, uma quiera:
A de me sentir forte.
Mas tudo, à minha roda, emudecera,
E era vazio, cheio só de morte...


Reconhecendo, então, os meus irmãos,
Deixei cair as mãos
E resignei-me - enfim!


E resignei-me a ser pobre animal,
A ser instinto - a ser donzela e fera...
Abaixo as atitudes do Ideal!
E resignei-me a ser o que já era...


Um outro orgulho, pois, rebenta em mim,
Selvagem, simples, indomável, mudo;
Mas eu desejo-o mesmo assim!
(Que eu, hoje, tolero tudo...)"

José Régio

Cântico Negro





"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio

Comentários à realidade

Não deixa de ser caricato: o governo faz e quem paga? os utentes, os cidadãos comuns é que pagam pelas diferentes greves feitas por médicos, bombeiros, enfermeiros, etc.
Ainda continuam a achar que é com este tipo de manifestações que vamos andar para a frente? Não é aos senhores ministros que estamos a importunar, é ao pobre que pouco dinheiro tem para si e, como se não bastasse isso, ainda tem problemas e ninguém os resolve, só pioram...

“Somos inocentes em pensar que sentimentos são coisas passíveis de serem controladas. Eles simplesmente vêm e vão, não batem na porta, não pedem licença. Invadem, machucam, alegram.”
Caio Fernando de Abreu

“Não é sono, não é falta de tempo, não é dor física, muito menos depressão. Só vontade de me desligar do mundo por alguns segundos.”

Caio Fernando Abreu

Funny



do blog Então, que seja doce!


“A pior coisa que pode acontecer a uma mulher é conviver com muitos homens. Saber como funcionam, como pensam, do que realmente gostam. Quanto mais contato com o sexo oposto, menos romântica e delicada fica uma moça.”
Tati Bernardi



É verdade (falo por experiência própria), não há convívio mais confortável e sincero que ser amiga - sem segundas intenções - de homens). 

Estou neste momento a ouvir:

    






(The Weeknd - Montreal)
...e acho que estou apaixonada.

Regresso a estas paragens...

Se penso em ti? Claro que penso, penso em ti e em todos aqueles que me foram/que me são algo... Mas dou-me de mais. Tenho o peso do mundo nas costas com a infelicidade alheia. Estou farta de mentiras, de tristezas e de ciúmes parvos com amigas, com amigos, com tudo. Estou farta de ter que me justificar, farta de ter obrigações para com os outros e farta de muitas coisas mais que não quero tornar públicas.
Sempre que me sinto assim remoo na minha memória Lisbon Revisited. Nunca me consigo esquecer das passagens que desde nova (ainda antes de sonhar quem poderia ser Álvaro de Campos) me tocaram. A revolta, a diferença, a mudança...  Não me macem, por amor de Deus! .... Não me macem! - acrescento eu. Eu adoro-vos a todos (todos no seu significado não literal, como é óbvio), a sério que sim, mas muita coisa me cansa. Existir por vezes cansa (então a mim!!). Não me controlo, penso mais que um computador num dia mau (porque num dia bom de certeza que não pensa tanto.- Meu Deus, como se um computador tivesse dias bons ou maus!), sinto de mais, sinto por quem não sente por mim e sinto por quem sente. Posso ser injusta algumas vezes, sei que sim, mas não o controlo.
A mágoa já é muita... as feridas já estão saradas, mas por vezes abrem, como se me fossem cortadas por x-acto, com aquela precisão cirúrgica. E aí, dói...e dói muito. E dói de mais. É insuportável o relembrar de algo assim tão cheio de tristeza, mas vem, sem que eu o controle. Por isso preciso de tempo para mim, para todos os pedacinhos de mim que as pessoas esquecem de apanhar quando passam pela minha vida, deixam-me ali num espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir (e depois quem os limpa sou eu!), só que sem o capacho e sim no caminho de pedras e terra batida por onde se passa quando se vai do nada para coisa nenhuma (sim, porque nós somos nada - já não me lembro quem disse isto, agora o resto que cito foi tudo Pessoa). Esses pedacinhos são só a minha alma, os meus sentimentos que se esquecem que tenho - porque os tenho! - e fazem com eles tudo o que lhes apetece. Ouço de tudo, para me conquistarem inventam de tudo, mexem com sentimentos, mexem com emoções, mexem com palavras, com pensamentos, com tudo... e eu aguento, percebo, compreendo, engulo, mas farto-me. Farto-me do conjunto de pessoas que pensa que eu quero ser conquistada, que preciso sê-lo. Pois bem, não preciso. Eu não amo a representação do outro, amo-o a ele. E se me passam horas a representar para que eu aprecie alguém que nada me diz, e eu percebendo, claro que me canso! E revolto-me, revolto-me porque as outras pessoas não são honestas como eu, o mundo não gira à minha volta e ninguém faz o que mando, por isso me revolto, porque a vida corre sem que ninguém mande nela e porque sou eu que, a mal ou bem, me tenho que adaptar.
        
 Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Vão para o diabo sem mim,Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!Para que havemos de ir juntos?
Para que hei-de fazer o que toda a gente me diz para se fazer? Porque não percebem que somos todos diferentes? Que cada um lida à sua forma com aquilo que lhe acontece? ... Eu já nada espero, mesmo, depois de tanta desilusão não sou capaz de ter uma réstia de esperança em sentimentos tão, supostamente, puros como o amor e a amizade. Quando pensamos que estamos bem, deixamos de estar, quando pensamos que estamos mal, deixamos de estar. É complicado viver num mundo com tanta gente, há muitos atropelos pela busca constante da felicidade de cada um. Haja dó! Os outros que se desviem...
E para quem pensa isso: não estou a passar por uma fase menos boa, estou simplesmente a passar por uma fase assim-assim (penso que seja um detalhe da maior importância).

Enfim, desabafos que me saem nem sei de onde....mas está aqui a resposta (muito incompleta) ao porquê do afastamento, se não (e este se não implica muita coisa), é apenas um texto bonito e estruturado feito numa noite de inspiração profunda à moda de um dos heterónimos do, para mim, maior génio da literatura portuguesa.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Saudade

"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido."

Pablo Neruda

sábado, 14 de julho de 2012

Por que as pessoas entram na sua vida?


"Pessoas entram na sua vida por uma "Razão", uma "Estação" ou uma "Vida Inteira". Quando você percebe qual deles é, você vai saber o que fazer por cada pessoa.

Quando alguém está em sua vida por uma "Razão"... é, geralmente, para suprir uma necessidade que você demonstrou. Elas vêm para auxiliá-lo numa dificuldade, te fornecer orientação e apoio, ajudá-lo física, emocional ou espiritualmente. Elas poderão parecer como uma dádiva de Deus, e são! Elas estão lá pela razão que você precisa que eles estejam lá. Então, sem nenhuma atitude errada de sua parte, ou em uma hora inconveniente, esta pessoa vai dizer ou fazer alguma coisa para levar essa relação a um fim. Ás vezes, essas pessoas morrem. Ás vezes, eles simplesmente se vão. Ás vezes, eles agem e te forçam a tomar uma posição. O que devemos entender é que nossas necessidades foram atendidas, nossos desejos preenchidos e o trabalho delas, feito. As suas orações foram atendidas. E agora é tempo de ir.

Quando pessoas entram em nossas vidas por uma "Estação", é porque chegou sua vez de dividir, crescer e aprender. Elas trazem para você a experiência da paz, ou fazem você rir. Elas poderão ensiná-lo algo que você nunca fez. Elas, geralmente, te dão uma quantidade enorme de prazer... Acredite! É real! Mas somente por uma "Estação".

Relacionamentos de uma "Vida Inteira" te ensinam lições para a vida inteira: coisas que você deve construir para ter uma formação emocional sólida. Sua tarefa é aceitar a lição, amar a pessoa, e colocar o que você aprendeu em uso em todos os outros relacionamentos e áreas de sua vida. É dito que o amor é cego, mas a amizade é clarividente. Obrigado por ser parte da minha vida.

Pare aqui e simplesmente SORRIA."

Martha Medeiros

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Homens galanteadores



Podem dizer o que quiserem, mas é verdade aquilo que irei confessar no blog: sempre me admiraram alguns homens, os ditos charmosos, conquistadores. A forma como pensam, como agem, o seu charme (que parece que só mesmo de respirar o têm)... Confesso que sou mesmo uma admiradora de tais raros espécimes. Embora seja uma mulher a quem os seus galanteios não toquem muito, pois mal perceba que alguém é assim, perco todo o interesse nele (se é que o tinha antes!). 
Para mim são autênticos pavões do nosso mundo humano e, como em tudo, há homens com mais charme que outros e esses sim, adoro vê-los em acção, se bem que o único defeito que possam ter será decerto as mentiras que espalham por aí, e por cada mulher que conquistam... É engraçado no início, mas quando compreendemos que já abusam das mentiras, torna-se claramente aborrecido. 
Parece-me que eu devo ser algum espécime anormal do género humano feminino...

terça-feira, 10 de julho de 2012

Sentir-se amado

"O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama.

Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.

Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.

A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também?

Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.

Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. "Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho".

Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. "Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato."

Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.

Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo."



Martha Medeiros

Pedaços de mim

"Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
despercebidos detalhes
amores mal resolvidos

Sou feito de
Choros sem ter razão
Pessoas no coração
Atos por Impulsão

Sinto falta de
Lugares que não conheci
Experiências que não vivi
Momentos que já esqueci

Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante


Tive noites mal Dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não-prometidas

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
Pensei em fugir, para não Enfrentar
Sorri para não chorar

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
Amizades que não cultivei
Aqueles que eu julguei
Coisas que eu falei

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
Lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo. "
Martha Medeiros

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Escrever (e saber ler)

Há muito que não escrevia, mas tenho-me ocupado a ler... não a ler blogues (que me perdoem, mas eu gosto muito de vós) mas sim a ler livros, poemas de grandes génios e escritores da nossa língua. É uma maravilha saber escrever, mas se não nos actualizamos com aquilo que outros sabem fazer melhor que nós, então não vale a pena tentar, apenas sabemos juntar letras de uma forma bonita, e isso não é escrever...
Escrever é magia, é um poder que poucos têm ....que nem aquele que eu mais admiro: Fernando Pessoa. Haverá génio maior que este?

Música do dia


Tira ela de mim - Alexandre Pires

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Mais outro desabafo

Parecendo que não, até é divertido teres ciumes de alguém ou estares chateado com a pessoa e ela nem se aperceber disso..

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Um génio a falar de amor....


Amo como o amor ama

"Amo como o amor ama. 
Não sei razão pra amar-te mais que amar-te. 
Que queres que te diga mais que te amo, 
Se o que quero dizer-te é que te amo? 

Quando te falo, dói-me que respondas 
Ao que te digo e não ao meu amor. 

Ah! não perguntes nada; antes me fala 
De tal maneira, que, se eu fora surda, 
Te ouvisse todo com o coração. 

Se te vejo não sei quem sou: eu amo. 
Se me faltas [...] 
... Mas tu fazes, amor, por me faltares 
Mesmo estando comigo, pois perguntas — 
Quando é amar que deves. Se não amas, 
Mostra-te indiferente, ou não me queiras, 
Mas tu és como nunca ninguém foi, 
Pois procuras o amor pra não amar, 
E, se me buscas, é como se eu só fosse 
Alguém pra te falar de quem tu amas. 

Quando te vi amei-te já muito antes: 
Tornei a achar-te quando te encontrei. 
Nasci pra ti antes de haver o mundo. 
Não há cousa feliz ou hora alegre 
Que eu tenha tido pela vida fora, 
Que o não fosse porque te previa, 
Porque dormias nela tu futuro. 

E eu soube-o só depois, quando te vi, 
E tive para mim melhor sentido, 
E o meu passado foi como uma 'strada 
Iluminada pela frente, quando 
O carro com lanternas vira a curva 
Do caminho e já a noite é toda humana. 

Quando eu era pequena, sinto que eu 
Amava-te já longe, mas de longe... 

Amor, diz qualquer cousa que eu te sinta! 
— Compreendo-te tanto que não sinto, 
Oh coração exterior ao meu! 
Fatalidade, filha do destino 
E das leis que há no fundo deste mundo! 
Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto 
De o sentir...?"


Fernando Pessoa
"Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de amar assim muito amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude."

Vinícius de Moraes